A decisão da transferência em blastocisto ou D3 (clivagem) é sempre complexa e deve ser individualizada durante o tratamento
A geração da vida é um fenômeno complexo que depende principalmente de uma boa semente, o embrião, e de um solo fértil e adequado, o endométrio, para acontecer. O embrião é formado após a fertilização do gameta feminino, o óvulo, pelo gameta masculino, o espermatozoide. Ele passa por diversas divisões celulares até se fixar no endométrio em um processo chamado de nidação.
Na fertilização in vitro (FIV), a fecundação dos gametas ocorre no laboratório e o desenvolvimento dos embriões é acompanhado até que eles alcancem uma fase considerada ideal para ser transferido para o útero materno e se implantar no endométrio. E isso pode acontecer em duas diferentes etapas de desenvolvimento: no terceiro dia, quando o embrião está na fase de clivagem, ou no quinto ou sexto dia, quando ele já é um blastocisto.
Afinal, qual a diferença entre um embrião D3 ou blastocisto?
Após a fertilização, o óvulo e o espermatozoide se fundem em uma única célula, o zigoto, que passa por diversas divisões celulares que recebem o nome de clivagem. Um embrião no terceiro dia (D3), apresenta aproximadamente 8 células.
O embrião é avaliado periodicamente pelo embriologista, que irá classificá-lo de acordo com sua morfologia. Dois itens são observados nesta fase: o número de células (de 6 a 8) e o grau de fragmentação. O embrião que tiver o número adequado de células e um menor grau de fragmentação, teoricamente, tem maior chance de implantação. No processo de fecundação natural, é nessa etapa que o embrião entra na cavidade uterina para aguardar o melhor momento para implantar no endométrio, que ocorre por volta no quinto ou sexto dia.
Quando o embrião apresenta 16 células, ele passa a ser chamado de mórula. Por volta do quinto dia, o embrião atinge a fase de blastocisto e ocorre a primeira diferenciação celular e as células são formadas e divididas por função. É nesta etapa que o embrião implanta no endométrio e inicia o desenvolvimento da gestação.
Como escolher entre transferir um blastocisto ou embrião em D3?
Há controvérsias quanto ao melhor dia para realizar a transferência. A medicina não é uma ciência exata e muitos tratamentos considerados os melhores em um dia podem passar a ser considerados obsoletos. Com a Reprodução Assistida não é diferente. Atualmente, a escolha principal tem sido a transferência em blastocisto, pois estudos mostram que as chances de sucesso são maiores pois:
- Permite uma seleção melhor de embriões pelo acompanhamento do desenvolvimento embrionário, o que trata maiores chances de implantação.
- Possibilita, se indicada, a realização do teste genético pré-implantacional (PGT-A), que identifica possíveis alterações cromossômicas.
- É o estágio que coincide com a etapa natural no qual o embrião implanta no endométrio.
- Possibilita a transferência de um único blastocisto, o que reduz as chances de gestações múltiplas.
- Parece haver menor contratilidade uterina, diminuindo a chance de expulsão do embrião.
Porém, nem sempre conseguimos que o embrião chegue no estágio de blastocisto no laboratório, então transferimos em D3 para que ele atinja o estágio de blastocisto dentro do útero. E há estudos que apontam benefícios na transferência em clivagem. Uma publicação recente, por exemplo, mostrou que a transferência de blastocisto pode estar relacionada a aumento do risco de partos prematuros e maior chance de o bebê nascer com baixo peso quando comparados com gestações de embriões em D3.
Já a revisão sistemática realizada pela biblioteca Cochrane que comparou a taxa de gravidez cumulativa em transferências em D3 e blastocisto concluiu que o grupo que transferiu em D3 teve uma maior taxa de gravidez cumulativa, pois teve, com mais frequência, embriões excedentes para uma segunda tentativa e menos transferências canceladas por falta de embriões.
E qual a conclusão: D3 ou blastocisto?
Ainda não há um estudo definitivo sobre o tema – principalmente porque não sabemos se muitos embriões que chegam ao terceiro dia, mas não chegam ao quinto no laboratório, conseguiria completar seu desenvolvimento no útero. O importante é individualizar cada caso com o conhecimento e a tecnologia que temos.
Por exemplo: uma paciente que tem um número considerável de embriões em crescimento pode estender o cultivo para blastocisto e avaliar quais os embriões que, aparentemente, têm maiores chances de evoluir para uma gravidez.
Entretanto, para uma paciente jovem, com chances menores de alterações genéticas e cromossômicas e que obteve poucos embriões, a transferência em D3 pode ser uma alternativa interessante, pois ela pode não ter blastocisto no final para transferir e tem chance de ter uma gravidez saudável com seus embriões em clivagem.
Cabe ao especialista em reprodução assistida considerar as particularidades de cada caso e tomar a decisão ponderando algumas variáveis como:
- Idade materna ou do óvulo;
- Número de tentativas anteriores que não foram bem-sucedidas;
- Resposta ao estímulo ovariano e se há reserva ovariana para novas tentativas;
- Número de embriões viáveis;
- Desejo ou indicação de teste genético pré-implantacional;
- Expectativa do casal.
A escolha entre a transferência em blastocisto ou D3 é uma das principais dúvidas das pacientes que realizam a FIV. Os tratamentos de Reprodução Assistida envolvem expectativas e uma alta carga emocional. Por isso, é necessário analisar a situação de forma individual para garantir as melhores escolhas para o paciente.